domingo, 29 de agosto de 2010

Direito dos Animais

O mundo moderno está descobrindo, através de um processo lento e penoso, que todas as formas de vida desta Terra estão interligadas. Quando destruímos florestas ou mesmo insetos, fazemos mal a nós mesmos, porque provocamos sem saber, uma mudança climática ou impedimos a polinização, causando assim circunstâncias adversas ao nosso próprio bem estar. Mas lentamente, depois de haver causado muito dano, o pensamento ecológico está voltando-se para a não destruição e o vegetarianismo.

Os povos antigos, no entanto, conheciam a verdade da unidade da vida intuitivamente, e, portanto, de modo claro. Eles defendiam um modo de vida não destrutivo, indicado pela palavra ahimsa.
Sou vegetariana em primeiro lugar, porque sei claramente, em meu coração, que toda a vida é sagrada e parte de uma única Existência. Quando alguém sente isso, Nada pode persuadi-lo a ferir ou destruir. A razão também nos diz que quando matamos e nos alimentamos de outras criaturas, são criados muitos problemas, não só ecológicos, mas problemas de saúde e outros. Mas estes são secundários.

As pessoas que se tornam vegetarianas por razões médicas poderiam retomar a dieta carnívora se as teorias médicas mudassem. Assim, novas idéias poderiam derrotar o atual ponto de vi sta ecológico. Mas nada pode mudar a percepção intuitiva da natureza preciosa da vida, sob qualquer forma que exista, por mais insignificante que a criatura possa parecer. Isto inspira na mente, de modo espontâneo, um sentido de cuidado, carinho e amor por todas as criaturas de Deus. Para mim, esta é a única razão de eu ser vegetariana.
 
Os métodos modernos de massacre de animais e produção de carne são tão abomináveis que mesmo uma pessoa sem motivos espirituais para tornar-se vegetariana, deveria fazê-lo. Antigamente, quando as pessoas pensavam que precisavam comer carne, matavam o animal. Hoje, os animais são mortos em massa e depois se tenta criar um mercado. As pobres criaturas são mantidas em condições atrozes e antinaturais, miseravelmente confinadas, alimentadas e medicadas artificialmente, e maltratadas de muitas maneiras diferentes. 

É necessário um coração muito duro para ser um não vegetariano - quando os fatos da produção de carne são conhecidos. Assim a pergunta deveria ser na verdade: "Como poderia eu, não ser vegetariana?". Se conhecesse a condição, e mesmo assim me beneficiasse da dor dos animais criados para a produção de carne, eu seria muito pouco humana. 

Milhões de pessoas na índia têm sido vegetarianas por séculos e gerações, sempre com boa saúde - não só fisicamente, mas têm tido pleno poder mental e sabedoria espiritual. O território de ahimsa produziu naturalmente os videntes Upanishádicos, o Buddha, Mahavira, e uma série sem igual de místicos e homens santos, e por essa razão, mesmo agora, embora haja uma decadência perceptível, as pessoas olham para a Índia como a terra natal da espiritualidade. É interessante observar que muitas pessoas notáveis que experimentaram uma elevação mística - freqüentemente chamada de expansão de consciência - tornaram-se naturalmente vegetarianas. Neste grupo estão as pessoas como Shelley, Wagner e Charlotte Bronte, cujo background era contrário ao vegetarianismo, mas que o escolheram mesmo assim. Porque há uma relação direta entre o fato de não matar e a abertura da visão espiritual ou percepção religiosa. Alguns grandes religiosos como Ramalinga Swamigal expressaram dor até mesmo ao verem plantas murcharem. 

Isto era parte da verdadeira cultura e ethos (1) da índia, e não o pensamento segundo o qual os animais não têm sentimento. Esta teoria cômoda é uma negação das evidências diretas que os animais dão dos seus sentimentos: a devoção e alegria expressadas ao retorno do dono, a dor e até as lágrimas quando machucados. Tudo isto é visível para toda pessoa que não fechar deliberadamente seus olhos. Como podemos negar ao animal o direito de viver que nós reivindicamos para nós, e a oportunidade de ser livre e feliz que vemos como nosso direito inalienável? Os animais também são filhos da força universal e mãe única de todos.
Acredito que o caminho para o bem estar não está em promover a nossa própria satisfação às custas de outros, ou em prolongar a nossa vida causando sofrimento a outras criaturas - seres humanos, animais, pássaros ou outros. Qualquer agressão deve ser evitada sempre que possível; nenhum ferimento deve ser causado conscientemente a outro ser. Assim, a lei da causa e efeito da Natureza, o Karma, trará por si mesmo o que é bom. Pelo fato de hoje tantas pessoas violarem aquela lei - há crescente dificuldade e sofrimento. É uma loucura pensar que deveríamos abandonar as verdades e o modo de vida que são parte de nossa antiga cultura e ethos, e aderir ao carnivorismo e outros hábitos, para parecer moderno. Kalidasa disse: nem tudo que é antigo, é necessariamente bom. E também nem tudo que é novo e moderno, é necessariamente bom. A comprovação está nos resultados produzidos. O mundo moderno (cheio de violência e tensão, imoralidade e egoísmo) é produto de idéias erradas. 

Hoje as pessoas acreditam que ter um coração impiedoso em relação aos animais - e tratar milhões deles como se fossem objetos materiais inertes que podem ser abertos e manipulados numa fábrica produtora de carne - não tem qualquer efeito negativo sobre a sociedade humana, mas, ao contrário, a beneficia. Esta é uma gigantesca falácia. Porque os seres humanos que estão treinando a si mesmos para serem indiferentes ao sofrimento e brutais no seu modo de pensar, irão agir, inevitavelmente, com grande insensibilidade em relação a sua própria espécie - que é o que estamos vendo atualmente. O modo gentil de viver, a simpatia e a sensibilidade para com o bem estar de todas as criaturas, e uma capacidade de apreciar o caráter sagrado da vida, são necessários para construir uma civilização boa e pacífica. 

(1) ETHOS - Essência ou espírito de uma cultura.
Tradução: Carlos Cardoso Aveline
Autora: Radha Burnier - Aos 77 anos, Radha Burnier, presidente da Sociedade Teosófica, ainda hoje percorre o mundo impulsionando a busca espiritual de pessoas de várias religiões e filosofias.

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